segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Seu Júlio

Aniversário de 3 anos do Guilherme - março/2003


Bom dia a todos,
 Agradecemos do fundo do coração a ajuda recebida de todos vocês nos momentos difíceis que passamos ao longo do último ano (2009) com nosso pai. A presença de todos em nossas vidas foi fundamental para que atravessássemos esse período de dor e superação de obstáculos.
 Todos colaboraram de maneira preciosa, seja com informações sobre cuidadores, enfermeiros, cadeiras e medicamentos (coitado dos amigos que trabalham em saúde, acabei com eles rsrsrs), seja com orações, carinho e ombro (e ouvidos) acolhedores. Ao longo do ano, pudemos sentir que não estávamos sozinhos em nenhum momento dessa caminhada.
 Mais uma vez, nosso muito obrigado a todos.
 Com muito carinho,
 Claudia e José Eduardo



Dezembro de 2008
Brigo com meu pai, o seu Júlio, pois a sua fala está cada vez mais enrolada; ele insiste que o problema era a dentadura que havia quebrado! Estávamos com viagem marcada e o ameacei que se eu voltasse e ele ainda não houvesse procurado um médico, o obrigaria a entrar no carro e o levaria de qualquer jeito.

Dezembro de 2008 - semana entre o Natal e o Ano Novo
Meu pai é internado com suspeita de AVC; exames todos negativos.

Janeiro de 2009
Finalmente ele aceita que algo de errado está acontecendo e procura ajuda: cardiologista, neurologista, o tal do dentista para consertar a dentadura....

Fevereiro de 2009
Marco consulta com um neurologista indicado pelo meu médico, uma vez que após quase um mês ninguém havia descoberto nada. Dia 3 lá vou eu com eles até o consultório. O médico pediu um novo exame, pois achou que os exames levados pelo meu pai estavam incompletos.
Dia 10, voltamos nós com o resultado; o médico, discretamente, me passa um bilhete onde estava escrito "me ligue com urgência". Saímos da consulta, eu fingi que fui embora e voltei para o consultório. Diagnóstico: Esclerose Lateral Amiotrófica ou simplesmente ELA. Resumindo, doença que vai atrofiando a musculatura, começando por um dos lados do corpo - por isso o lateral - até que o paciente fique totalmente paralisado. Detalhe: o cérebro continua a mil, vendo tudo, sabendo tudo, sofrendo tudo!

Para quem quiser saber mais, acesse o site da Associação Brasileira de ELA: http://www.abrela.org.br. Eles são simplesmente ótimos, dão um apoio incrível aos pacientes e à família; só temos agradecimentos para toda a equipe!

Devo dizer que meu mundo acabou ali, naquela hora! O Sergio estava viajando mas minha super-amiga Adriana Sicchieri, sabendo que eu iria ao médico naquele dia, me ligou e eu pude desabafar um pouco!

Graças a Deus tenho um marido e uma cunhada maravilhosos que ampararam tanto a mim quanto a meu irmão nesta dificílima jornada. E graças a Deus também que cada pessoa reage de uma maneira diferente: eu estava muito mal, pois meu pai sempre foi o meu norte; meu irmão ficou mais pé no chão e começou a pesquisar tratamentos alternativos.

Tentamos medicina ortomolecular, com a Dra. Vania Assaly. A consulta com ela foi bem no dia de meu aniversário, 17 de março. E ela foi muito clara em dois pontos: 1. lutaria até o fim (ou até quando nós quiséssemos) e 2. disse para nos prepararmos, pois a ELA desestrutura o núcleo familiar - verdade verdadeira -  pois é uma doença estressante para o paciente e para a família. Depois de um tempo com ela, acabamos optando por um homeopata, Dr. Paulo (não lembro o sobrenome dele), especialista em acupuntura. Isso sem contar minhas idas mensais ao AMA Maria Zélia para pegar o Riluzol, remédio de altíssimo custo que ele tomava - hoje eles entregam em casa, para sorte dos pacientes!

Sem medo nenhum de errar, foi o pior ano de minha vida. Ver meu pai definhando, não conseguir falar, perdendo a força nas pernas, a procura por cuidadores e inúmeros outros problemas, só quem passou por isso sabe do que estou falando. E para mim, o luto começou quando ele parou de falar! Não mais discutir o Estadão com ele, não mais tirar dúvidas, fazer perguntas ou simplesmente conversar; foi quando ele morreu para mim!

Fevereiro de 2010
O ciclo da ELA é imprevisível; pode levar o paciente em poucos meses ou em muitos anos! Sentia que meu pai não iria durar muito, ele definhava assustadoramente rápido, tanto que cancelamos nossa viagem de janeiro para estar por perto em qualquer eventualidade. E o final da doença quase sempre envolve alimentação parenteral - que ele já estava recebendo - e traqueostomia, para evitar bronco-aspiração e pneumonia.

No dia 22 o médico que o estava acompanhando resolveu interná-lo para a traqueo. Outro baque enorme! Meu irmão veio de Campinas para acompanhar a internação e eu iria dormir no hospital para que minha madrasta não ficasse sozinha com ele. Quando estava me preparando para sair de casa, meu irmão ligou dizendo que ele tinha ido direto para a UTI pois os exames haviam detectado pneumonia. Ok, fiquei em casa.

Dia 23 de madrugada, a notícia do falecimento. Neste longo ano, em momento nenhum ele fraquejou ou se revoltou com sua situação. Ele aceitou, lutou e fez o que pode para manter-se bem. A fé que ele sempre teve durante a vida permaneceu inabalável durante a doença! Impressionante e lindo!

Agora, já lá se vão dois anos e limpando alguns arquivos, achei mensagens lindas que recebemos de pessoas amigas; decidi que meu pai merecia um post só dele e aqui está. E não deixem de ler o emocionante depoimento da Marilena, onde ela fala não só de meus pais mas também de alguns tios meus, pois ela conheceu a família toda.

Olá Gê (meu tio Gervásio, por quem ela ficou sabendo do falecimento)
Estou digitando aqui do S.Luiz, aproveitando o laptop da Inês.....
Li sua mensagem sobre o Júlio e de lá pra cá fiquei pensando muito sobre o passado, especificamente sobre a minha era de ouro...a infância e a adolescência. E porque ela foi de ouro? Pq Deus mandou dois seres maravilhosos cruzarem o meu caminho. Primeiro veio aquele que eu poderia chamar de meu guru da época, o Júlio. Ele tomava conta de mim, quando tinha sete anos, na Cruzada, e de tantos outros com a calma que Deus lhe deu....
Aquela sede da cruzada era o nosso videogame da época. O Júlio sabia como ninguém lidar com todos os atritos que nós crianças tínhamos. Brigávamos como loucos ao contar os pontos dos jogos e lá ia o Julio resolver com a paciëncia que lhe era peculiar. Podia ser a queimada no pátio, podia ser o dominó, a loto ou o baralho em dias de chuva.
E que delícia aquele lanche que ele nos proporcionava depois da missa. E os critérios para trocarmos de fita amarela? Subíamos de grau aumentando o comprimento da fita sob os sábios critérios dele.
Era dono de uma sabedoria ímpar. Não era formado psicólogo, mas era o próprio Freud para lidar com nossas neuras causadas pela educação que nossos  pais nos impunham na época.
Aí a gente foi crescendo, subindo na hierarquia e a Cruzada já não dava mais pro nosso desenvolvimento. E lá vem o Júlio : - Vocês não querem fazer parte da Legião de Maria?  E lá fomos nós adolescentes meninos e meninas fazer parte da Legião.
E lá vinha o Júlio com visitas as favelas, aos pobres, as casas para rezarmos o terço, fazer milhares de novenas nos lares das famílias, pra tudo que era causa... e várias outras atividades sociais.
Quanto eu aprendi com a humildade e a sabedoria do Júlio. A calma que eu não tinha em casa eu encontrava nele.
E piquenique? Meu, ele providenciava as passagens no trem que saia ali da João Teodoro.... quando não alugava ônibus; pensava no lanche dele e na nossa tubaína... Quantos passeios maravilhosos eu guardo na lembrança graças ao Júlio. O passeio ao Pico do Jaraguá foi inesquecível.
As vezes ficava lá inventando ao fazer hora pra chegar em casa.Como era boa a companhia dele.
E o Júlio se dedicando a nós adolescentes e se esquecendo do seu próprio coração.
Esquecendo de procurar sua cara metade pq se dedicava a nós como se nós fossemos sua cara metade. Tanto que ele nos amava......
Até que um dia apareceu a margarida....nooooooossa... nós ficamos ouriçadíssimos: o Julio está namorando..... Aí já não me lembro mais como tudo aconteceu...Sei que a felicidade dele ao lado da Bluete era algo que ele não conseguia esconder naquele sorriso largo.
A Bluete filha de Maria, nestas alturas eu também já era filha de Maria e até que não me lembro o ano lá vem a notícia do casamento.
Daí pra frente a vida foi mudando e o Julio e a Bluete começaram a sair da minha vida porque eu sai da vida deles. Me afastei por força do destino do convívio com eles. Mas o carinho continuou por todas as vezes que ainda nos encontramos.
De qualquer forma sua família foi maravilhosa pra mim.
Tinha no Reinaldo um grande amigo já que a idade dele regula com a minha. É verdade que hoje estou bem mais nova .... Quero que você transmita a ele meu carinho pela passagem do Júlio. Devo ao Reinaldo minha única aliança de brilhantes.
E o seu irmão casado com a Alzira? Toninho. Que pessoa maravilhosa. E todos os outros que já estou embaralhando tudo.... Suas irmãs. Me lembro bem delas nas missas do Santo Antonio. Também Filhas de Maria. Todos nos recebiam muito bem.
Quantas macarronadas me fizeram lamber os beiços na sua casa em alguns domingos.
E depois veio a Cristina que graças a Deus mantém amizade muito firme com você, a Tomika e seus filhos. E ainda bem que sobra pra mim também sua amizade. Aliás aproveito para agradecer todo seu carinho em relação à minha irmã. Agradeço as balinhas, as frutinhas, etc...etc.....e a Tomika também.
Então a única coisa que tive vontade de fazer ao saber da morte do Júlio foi dizer a você e a sua família que agradeço a Deus por ter colocado o Júlio na minha vida e através dele posteriormente todos vocês.
 Deus deve ter deixado muito bem impregnado o DNA do pai e da mãe na Claudia e no José Eduardo para que eles um dia também deixem como os pais, um legado de pessoas felizes como eu.
Um abraço acompanhado de orações.
Marilena

4 comentários:

  1. Não só pelo fato de vc ser a madrinha da minha filha, temos um carinho enorme pela sua família como exemplo a ser seguido! Seu Júlio, pelo pouco q convivi e conheci era td isso q vc postou e muito mais ! Notícias de doença sempre nos chocam e como vc disse (assim como eu) só quem vivencia é q sabe o qto sofremos...
    Neste relato primoroso, senti a necessidade de citar a saudade q tenho do meu pai q tbém partiu em circunstancia incomum. Não tive a oportunidade de beijá-lo, abraçá-lo pelo fato de estar a 27 hs de distância e dizer q ele foi e é o exemplo q tento seguir. Apesar da pouca escolaridade q tinha, o caráter e integridade ímpar era a constante da vida dele. Não pude acompanhar de perto o sofrimento que ele deve ter passado e lamento muito não ter tido a oportunidade de dizer-lhe o qto eu o amava !
    Não tive mais oportunidade de discutirmos (assim como na adolescência) e ver o gesto carinho dele qdo depois vinha me abraçar e dizer: "filha, não fica assim! Eu te amo !" Só nos resta agora a lembrança de td q eles foram para nós !
    Creio q assim como meu pai, seu Júlio com certeza era do mesmo time !
    Bj

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Lembro sempre do seu pai com um sorriso no rosto! Ele me acolheu tão bem quando cheguei! Somos muito privilegiadas pelos pais que tivemos, pelos exemplos que eles deixaram. Se conseguirmos deixar metade para nossos filhos, já me sentirei feliz!
      Bjs,

      Excluir
  2. Linda homenagem!
    Nao sabia como tinha sido a partida do seu pai........
    Fiquei super emocionada com uma vontade enorme de abraca-los.....
    Bjs no coracao

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, querida, obrigada pelo carinho; sinto-me abraçada, mesmo que remotamente! Bjs,

      Excluir