quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Os Intocáveis

Pois é, toda quilteira que conheço - e a bem da verdade, toda tricoteira, crocheteira, bordadeira - tem sempre um paninho - ou lã ou linha - que foi comprado e que nunca ou dificilmente será usado. Coisa de louco? Claro, se não fossemos loucas não seríamos quilteiras! É quase condição sine qua non!

Há 3 anos atrás, em viagem aos EUA, comprei alguns tecidos para fazer uma capa para minha fiel companheira de costuras. Pois é, ainda estão aqui guardadinhos, pois são tão lindinhos! Por quê? E se der errado? E se não ficar do jeito que eu imaginei? Desperdicei os paninhos....






Conseguiram entender onde eu quero chegar? Os dilemas são enormes: devo usar a frase "Crafter at Work" ou "I live to quilt!"? Oh dúvida cruel! E como se não bastasse, a Entrelaçadas acaba de receber um lote de tecidos sen-sa-cio-nal! Cheguei até a cogitar faltar na aula esta semana para não cair em tentação, acreditam? Só que não faltei.... e aumentei a coleção de "Intocáveis" rsrsrs





Duas propostas diferentes, com o mesmo tema. Bom, aproveitando o blog, tentarei superar esta mania de colecionar tecidos; vou colocar como meta fazer não uma, mas duas capas para minha máquina e espero voltar aqui em breve com as fotos dos trabalhos!

domingo, 2 de outubro de 2011

Carne de vinha-d'alhos

Pois é, nem só de paninhos vive este blog! Filha de portuguesa, neta de sitiante, parece inevitável que vez ou outra o assunto recaia sobre comida! Desta vez, como era ainda uma quase experiência, sem convidados.

Minha mãe, já falei aqui, era da Ilha da Madeira, a pérola portuguesa do Atlântico. Seu cunhado Antonio, aliás, adorava deixá-la irritada dizendo que elas eram africanas, fato explicado pelo posicionamento da Ilha, muito mais próxima de Essaouira e Casablanca, na África, do que de Lisboa. Já tive o imenso prazer de visitar a Ilha três vezes e estou me naturalizando portuguesa para poder ter o prazer de dizer que sou Madeirense, tamanho é o encanto que a Ilha me proporciona!

Além dos maravilhosos bordados, a Ilha tem uma culinária própria, muito distinta do restante de Portugal. São de lá o Bolo Preto, o Bolo Família, o Bolo de Mel da Madeira (este, para quem quiser experimentar, encontra-se à venda no Empório Santa Luzia, nos jardins; eventualmente eu também o faço no início de dezembro), as espetadas (nosso espetinho), o milho frito (polenta branca com couve picada muito fininha) e a Carne de Vinha-d'alhos.

Tentei elaborar este prato uma vez depois de casada, mas a inexperiência com as panelas não ajudou muito. Lembro da última vez que o comi, muitíssimo bem feito, na casa do Abel, primo de minha mãe que morava em Ontário, no Canadá. Passei um Natal e Ano Novo maravilhosos em sua casa, há mais de 20 anos; meu primeiro White Christmas! E como o frio que faz naquelas terras não permite que se tenha comida fresca o ano inteiro, sua esposa costumava fazer diversas compotas de frutas e picles para o ano inteiro; este estoque incluía a Carne de Vinha-d'alhos.

Em janeiro levamos as crianças pela primeira vez a Portugal, com escala na Ilha, é claro. Eles amaram de paixão, comeram peixe-espada preto - outra iguaria típica e deliciosa - entre outras coisas, mas não tivemos a oportunidade de comer a tal carne. E a pouco tempo atrás, senti que devia isto a eles; quando se é pequeno, antepassados e história são assuntos que não nos interessam, pois a perspectiva de tempo é diferente daquela dos adultos, ausência e morte são coisas distantes. Mas quando crescemos nos damos conta que são os sabores, aromas e histórias de nossos ancestrais que ajudaram a construir, entre outras coisas, o nosso caráter.

E lá fui eu resgatar o livro e preparar a carne. Este não é um prato que se resolve fazer da noite para o dia. Ele necessita de pelos menos dois dias de "molho" para ficar saboroso. Para os curiosos, segue a receita retirada do livro "Cozinha Tradicional Portuguesa", de Maria de Lourdes Modesto. Aliás, comprei este livro em Lisboa a primeira vez que lá estive, no século passado! Não sei onde estava com a cabeça, pois ele pesa um bocado! Atentem para o português!


Carne de Vinha-d-a'lhos
Para 4 pessoas
600g de lombo de porco (bastante gordo); 8 fatias de pão; 600g de batatinhas novas
Para a vinha-d-a'lhos: 2 dl de vinho branco; 1 dl de vinagre; sal grosso; 6 dentes de alho picados; 1 folha de louro; pimenta ou 1 malagueta


Lava-se o lombo em água quente, escorre-se e corta-se em bocados pequenos. Prepara-se a marinada misturando os ingredientes num recipiente de barro e introduz-se a carne de porco, que deve ficar bem coberta pela vinha-d-a'lhos. Deixa-se marinar durante pelo menos 3 dias.
Depois, leva-se a carne a cozer na própria vinha-d'alhos e, enquanto a carne coze, embebem-se no molho a ferver algumas fatias de pão grossas, que não devem, contudo, ficar completamente ensopadas. Vão-se colocando estas fatias numa travessa. Quando a carne estiver cozida sem ser em demasia, escorre-se e deixa-se arrefecer completamente o molho. 
Retira-se a gordura que se forma à superfície do molho e, com esta gordura, fritam-se a carne e as fatias de pão numa frigideira e sobre lume vivo. Se a gordura não for suficiente, adiciona-se um pouco de banha.
Entretanto, cozem-se as batatinhas novas e rodelas grossas de batata-doce, que depois se alouram na gordura de fritar a carne. A carne de vinha-d'alhos é servida bem quente com rodelas de limão e de laranja. Acompanha-se com as batatinhas e as rodelas de batata-doce alouradas, milho frito à moda da Madeira e cebolinhas de escabeche.


E no final da receita, segue a explicação de quando se come esta carne e sua importância para os madeirenses:

A carne de vinha-d'alhos é sem dúvida o prato mais característico da Ilha da Madeira e é usado especialmente para a Festa (como lá se designa o Natal). Pode-se afirmar, sem receio de errar, que o pobre mais pobre da Ilha não passa a Festa, que inclui o Dia de Natal e os dois dias seguintes, 1ª e 2ª Oitavas, sem ter pelo menos provado uns pedacinhos da cheirosa "carne de vinha-d'alhos", que nestes dias rescende pelas ruas.

Fiz algumas adaptações: a carne não era "gorda", portanto não havia gordura no caldo depois de frio; apenas cozi as batatas e não as fritei e como já tinha carboidrato demais, pulei a batata-doce e o milho frito. Bom, escrevi, escrevi, mas faltou mostrar, não é mesmo? Pois vejam lá pelos seus próprios olhos o que acham disto:

Como já tinha muita fritura, servi as batatas apenas cozidas, com azeite Herdade do Esporão, o favorito do Guilherme

O vinho escolhido pelo Sergio para acompanhar o prato. Um belíssimo Chileno!
Todos comeram até se fartar. Para os adultos durante os próximos 5 dias, apenas ar e água!